Voto de pesar 01/091 – Pesar e homenagem a Nuno Teotónio Pereira

Agendado: 91ª reunião, 26 de Janeiro de 2016
Debatida e votada: 26 de Janeiro de 2016
Resultado da Votação: Aprovado por unanimidade
Passou a Deliberação: 12/AML/2016
Publicação em BM: 4º Suplemento ao BM nº 1145

Voto

Nuno Teotónio Pereira é um dos pais fundadores da arquitectura moderna no nosso país. Ao longo de décadas reclamou “habitação para o maior número”, angustiado nos nossos dias com a falta de casas para os casais jovens, como há cinquenta anos com a proliferação das barracas. Amou sempre Lisboa, que conhecia como poucos. A cidade perde, com a sua morte, um dos seus mais notáveis habitantes.

Em 1948, no 1º Congresso Nacional dos Arquitectos, está entre o grupo de jovens profissionais revoltados com a imposição de um “estilo nacional”. Inspirados na Carta de Atenas, de que Nuno Teotónio foi um dos primeiros tradutores para português, os arquitectos queriam uma arquitectura “centrada nas necessidades elementares do homem”; a ditadura respondia-lhes impondo uma “arquitectura portuguesa” que mais não era que uma forma de censura. E o que começou aparentemente como simples questão formal acabou por desembocar numa questão de regime. O que os arquitectos reclamavam, afinal, era nada menos do que liberdade. E daí partiram, sob o impulso de Keil do Amaral, à descoberta da arquitectura popular, procurando um saber antigo e essencial, onde as formas habitadas nascem da relação entre o homem e o meio e deixando-nos esse notável registo do Portugal dos anos 50 que foi o “Inquérito à a Arquitectura Popular Portuguesa”.

Morreu a escassos dias de completar 94 anos. Nascido em 1922, diplomado pela Escola de Belas Artes de Lisboa em 1949, formou o primeiro atelier com Chorão Ramalho, Alzina de Menezes e Manuel Tainha. Em 1954 o atelier instala-se na rua da Alegria, em Lisboa, e de certo modo transforma-se na verdadeira escola da arquitectura de Lisboa, alternativa ao ensino tradicionalista da ESBAL. Por ali passaram grandes nomes, de Nuno Portas, Bartolomeu Costa Cabral e Pedro Vieira de Almeida a Gonçalo Byrne, Duarte Nuno Simões, João Paciência ou Pedro Botelho. Deixou profunda marca em todos quantos com ele trabalharam, embora estivesse sempre a dizer que o mérito era todo alheio e nunca de si próprio. Trabalhou também largos anos na Federação das Caixas de Previdência em projectos de habitação económica, campo em que acumulou uma vasta experiência.

Distinguido várias vezes com o Prémio Valmor Municipal de Lisboa, o seu edifício na Braamcamp teve o raro destino de receber uma alcunha popular como “Edifício Franjinhas” (1971). É sua e de Nuno Portas a Igreja do Sagrado Coração de Jesus (1975), também premiada, como é seu o plano de acessibilidade da Covilhã (2004), um exemplo inovador que, nas suas próprias palavras, pretendia “atenuar malfeitorias, adaptar relevo, preservar a identidade e consolidar o tecido urbano”. Foi premiado pela AICA em 1985, pela Academia nacional de Belas Artes em 2007, doutorado honoris causa pelas Universidades do Porto e Técnica de Lisboa, tendo ainda recebido em 2010 a Medalho de Ouro da Cidade de Lisboa e o Prémio Carreira da Bienal Ibero-Americana de Arquitectura e em 2015 o Prémio da Universidade de Lisboa.

Foi presidente do Movimento de Renovação da Arte Religiosa, tendo participado activamente nos movimentos progressistas dos católicos contra a ditadura e a guerra colonial. Dirigiu a Cooperativa Cultural Pragma, outro foco de resistência cultural, e o Centro Nacional de Cultura. Defensor incansável da responsabilidade social dos arquitectos, batalhou pela sua organização profissional, desde o velho Sindicato Nacional dos Arquitectos à Associação dos Arquitectos Portugueses, em 1988, e mais tarde à Ordem dos Arquitectos, tendo encabeçado em 2003 a primeira iniciativa legislativa de cidadãos em Portugal, sob o lema “Direito à Arquitectura”.

Acompanhava com grande atenção e perspicácia as transformações do território, não hesitando em fustigar as desordens geradoras de iniquidade social, desde os realojamentos forçados no vale de Alcântara em 1966 às distorções do mercado imobiliário no final do século XX, como o escândalo dos fogos devolutos e o desordenamento e degradação das cidades. Reclamou medidas públicas para o fim das barracas, prioridade à reabilitação urbana e ao transporte público, primazia do peão no espaço público, medidas fiscais severas contra o abuso do direito de propriedade. E se tanto lutara, até ao 25 de abril, contra a ditadura política, na décadas seguintes denunciou a ditadura de mercado, também ela cerceadora da liberdade e causadora de profundas desigualdades com as quais nunca se conformou.

Autor de numerosos estudos, artigos e comunicações sobre arquitectura, habitação, património, território e cidadania, a sua obra foi pioneira, a sua escrita destemida e a sua vida uma história de talento, generosidade e profunda fraternidade. A sua figura transcende largamente o campo da arquitectura para se inscrever como grande referência cívica e moral da democracia e da liberdade: profundamente íntegro e desprendido até ao limite, foi perseguido pela PIDE e estava entre os presos que saíram de Caxias em 26 de abril de 1974. Pouco tempo antes de morrer, numa das últimas entrevistas que deu, dizia: “a arquitectura faz-se de dentro para fora, como o ser humano”.

A Assembleia Municipal honra a memória e o legado de Nuno Teotónio Pereira, acompanha a família no momento de pesar que atravessa e exorta os lisboetas a inspirarem-se no seu exemplo de probidade, fraternidade, liberdade e cidadania.

A Assembleia Municipal de Lisboa recomenda ainda à Câmara Municipal:
– que registe num roteiro, publicamente assinalado in loco, as grandes obras de arquitectura de que foi autor e co-autor, para que sejam conhecidas e reconhecidas entre as muitas silhuetas que formam a incomparável identidade da cidade de Lisboa.
– que crie um prémio ou outra forma de incentivo que associe o direito à habitação com o nome de Nuno Teotónio Pereira e seja destinado ao reconhecimento das iniciativas populares e comunitárias na defesa da “habitação para o maior número”.

Lisboa, 21 de janeiro de 2016

Os Deputados Municipais

Helena Roseta (Ind)
Miguel Graça (Ind)
José Leitão (PS)